Seleção Por Consequências
B. F. Skinner Publicado em: 25/02/2003
A história do comportamento humano, se considerarmos o início com a origem da vida na terra, é possivelmente superada em amplitude apenas pela história do universo. Assim como o astrônomo e o cosmologista, o historiador trabalha apenas com a reconstrução do que pode ter acontecido, ao invés de revisar os fatos registrados. A estória presumivelmente começou, não com um big bang, mas com aquele momento extraordinário quando surgiu uma molécula que tinha o poder de se auto-reproduzir. Foi então que a seleção por consequências fez sua aparição de uma forma casual. A reprodução foi por si só uma primeira conseqüência, e levou através da seleção natural à evolução de células, órgãos e organismos que se auto reproduziram sob condições altamente diversas.
O que chamamos de comportamento evoluiu como um conjunto de funções indo além do intercâmbio entre organismos e ambiente. Em um mundo razoavelmente estável isto poderia ser no máximo parte da capacidade genética das espécies, como a digestão, a respiração ou qualquer outra função biológica. O comportamento funcionou bem apenas sob condições mais ou menos similares àquelas sob as quais foi selecionado. A reprodução sob condições muito mais amplas se tornou possível com evolução de dois processos através dos quais os organismos individuais adquiriram comportamento apropriado para novos ambientes. Através do condicionamento respondente (Pavloviano), as respostas preparadas antes pela seleção natural poderiam estar sob controle de novos estímulos. Através do condicionamento operante, as novas respostas poderiam ser fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que imediatamente as seguiram.
UM SEGUNDO TIPO DE SELEÇÃO
O condicionamento operante é um segundo tipo de seleção por consequências, que deve ter evoluído em paralelo com dois outros produtos das mesmas contingências da seleção natural – uma suscetibilidade de reforços para certos tipos de consequências e uma fonte de comportamento menos comprometido especificamente para esclarecer ou liberar os estímulos. (A maioria dos operantes são selecionados a partir do comportamento que tem pouca ou nenhuma relação com tais estímulos).
Quando as consequências selecionadas são as mesmas, o condicionamento operante e a seleção natural trabalham juntas de forma redundante. Por exemplo, o comportamento de um patinho em seguir a sua mãe é aparentemente o produto não apenas de uma seleção natural (os patinhos tendem a se mover em direção a objetos móveis grandes), mas também de uma suscetibilidade evoluída para reforço (reinforcement) pela proximidade de tal objeto, como mostrou Peterson (1960). A conseqüência comum é que o patinho fica perto de sua mãe. (Impressão / imprinting é um processo diferente, próximo ao condicionamento respondente).
Uma vez que uma espécie que rapidamente adquira comportamento apropriado a um dado ambiente tenha menos necessidade de um repertório inato, o condicionamento operante poderia não somente suplementar a seleção natural de comportamento, mas poderia substituí-la. Houve vantagens favorecendo tal mudança. Quando membros de uma espécie comem um certo alimento simplesmente porque isto tenha um valor para a sobrevivência, a comida não precisa ser, e presumivelmente não é, um reforçador. Da mesma forma, quando um comportamento sexual é simplesmente um produto da seleção natural, o contato sexual não precisa ser, e presumivelmente não é, um reforçador. Mas, quando através da evolução de susceptibilidades especiais, a comida e o contato sexual se tornam reforçadores, novas formas de comportamento podem surgir. Nova formas de ajuntamento, processamento e de cultivo de alimentos e novas formas de comportamento sexual ou de formas que levam apenas eventualmente ao reforço sexual podem ser construídas e mantidas. O comportamento condicionado dessa forma não é necessariamente adaptativo; são consumidos alimentos que não são saudáveis, e o comportamento sexual fortaleceu aquilo que não está relacionado com a procriação.
Muito do comportamento estudado pelos etologistas – a corte, os pares, o cuidado com os jovens, a agressão intra-espécie, a defesa de território, e assim por diante – é social. Está dentro desta faixa de seleção natural fácil, porque outros membros de uma espécie são aqueles de características mais estáveis do desenvolvimento de uma espécie. Os repertórios sociais inatos são suplementados pela imitação. Ao correr quando outros correm, por exemplo, um animal responde à liberação de um estímulo ao qual não havia sido exposto. Um tipo diferente de imitação, muito mais amplo, resulta do fato de que as contingências do reforço que induzem um organismo a se comportar de uma dada maneira irá freqüentemente afetar outro organismo quando este se comporta da mesma maneira. Um repertório imitativo que traz o imitador sob o controle de novas contingências é então adquirido.
A espécie humana presumivelmente se tornou muito mais social quando sua musculatura vocal ganhou controle operante. Gritos de alarme, a chamada de parceiros, ameaças agressivas, e outros tipos de comportamento vocal podem ser modificados através do condicionamento operante, mas aparentemente apenas com respeito à ocasião em que ocorrem ou sua taxa de ocorrência. (O comportamento vocal imitativo de certos pássaros deve ser uma exceção, mas se tem conseqüências seletivas comparáveis àquelas dos gritos de alarme ou de chamada de parceiros, estas são obscuras. O comportamento vocal do papagaio é construído, na melhor das hipóteses, por uma consequência trivial, envolvendo uma semelhança entre sons produzidos e sons ouvidos).
A habilidade da espécie humana de adquirir novas formas através da seleção por consequências presumivelmente resultou da evolução de uma inervação especial da musculatura vocal, junto com uma fonte de comportamento vocal não tão fortemente sob o controle de estímulos ou liberadores – o balbuciar das crianças a partir dos quais os operantes verbais são selecionados. Nenhuma nova suscetibilidade ao reforço foi necessária porque as consequências do comportamento verbal são distinguidas apenas pelo fato de que são mediadas por outras pessoas (Skinner,1957).
O desenvolvimento do controle ambiental sobre a musculatura vocal estendeu muito a ajuda que uma pessoa recebe de outras. Ao se comportarem verbalmente, as pessoas cooperam mais bem sucedidamente em empreendimentos comuns. Ao se aceitar conselhos, obedecer avisos, seguir instruções, e observar regras, eles se beneficiam do que os outros já aprenderam. As práticas éticas são reforçadas pelas suas codificações em leis, e técnicas especiais de auto-gereciamento ético e intelectual são planejados e ensinados. O auto-conhecimento ou consciência surge quando uma pessoa pergunta a outra coisas como “O que você vai fazer?” ou “Porque você fez isso?”. A invenção do alfabeto ampliou estas vantagens sobre grandes distâncias e períodos de tempo. Há muito tem sido dito para dar à espécie humana sua posição única, embora seja possível que esta unicidade seja simplesmente a extensão do controle operante da musculatura vocal.
UM TERCEIRO TIPO DE SELEÇÃO
O comportamento verbal aumentou significantemente a importância de um terceiro tipo de seleção por consequências, a evolução dos ambientes sociais ou culturas. O processo presumivelmente começou no nível do individual. Uma melhor forma de fazer uma ferramenta, cultivar alimentos, ou ensinar uma criança é reforçado por suas consequências – a ferramenta, a comida, ou um ajudante útil, respectivamente . Uma cultura evolui quando as práticas originárias desta forma contribuem para o sucesso do grupo praticante em resolver seus problemas. É o efeito no grupo, e não as consequências reforçadas para os membros individualmente, que é responsável pela evolução da cultura.
Em resumo, o comportamento humano é um produto da junção de (i) as contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção natural das espécies e (ii) as contingências de reforço responsáveis pelos repertórios adquiridos pelos seus membros, incluindo (iii) as contingências especiais mantidas por um ambiente social evoluído. (Definitivamente, é claro, tudo isso é uma questão de seleção natural, uma vez que o condicionamento operante é um processo evoluído, no qual as práticas culturais são aplicações especiais).
SIMILARIDADES E DIFERENÇAS
Cada um dos três níveis de variação e seleção tem sua própria disciplina – o primeiro, biologia; o segundo, psicologia; e o terceiro, antropologia. Apenas o segundo, condicionamento operante, ocorre em uma velocidade no qual pode ser observado de momento a momento. Biólogos e antropólogos estudam os processos através dos quais variações surgem e são selecionadas, mas estes meramente reconstroem a evolução de uma espécie ou cultura. O condicionamento operante é seleção em progresso. Assemelha-se a cem milhões de anos de seleção natural ou mil anos de evolução de uma cultura compactada em um período muito curto de tempo.
A imediação do condicionamento operante tem certas vantagens práticas. Por exemplo, quando uma característica atual adaptativa é presumivelmente muito complexa para ter ocorrido na sua presente forma como uma variação única, esta é usualmente explicada como produto de uma seqüência de variações mais simples, cada uma com seu próprio valor de sobrevivência. É prática padrão na teoria evolutiva observar tais seqüências, e os antropólogos e historiadores têm reconstruído os estágios através dos quais os códigos éticos e de moral, a arte, a música, a literatura, a ciência, a tecnologia, e assim por diante, tem presumivelmente evoluído. Um operante complexo, no entanto, pode na verdade ser “moldado através de aproximação sucessiva” pelo arranjo de uma série graduada de contingências de reforço. (Padrões de comportamento inato muito complexos para terem surgido como variações únicas podem ter sido moldados por mudanças geológicas devido ao platô tectônico (Skinner 1975a).
Uma questão atual em nível i tem paralelo com os níveis ii e iii. Se a seleção natural é um princípio válido, porque muitas espécies permanecem imutáveis por milhares ou mesmo milhões de anos? Presumivelmente, a resposta é que tanto não ocorreram variações ou que aquelas que ocorreram não foram selecionadas pelas contingências prevalecentes. Questões similares têm sido feitas nos níveis ii e iii. Porque pessoas continuam a fazer coisas da mesma maneira durante anos? Porque grupos de pessoas continuam a observar velhas práticas durante séculos? As respostas são presumivelmente as mesmas: cada uma das novas variações (novas formas de comportamento ou novas práticas) não têm aparecido, ou aquelas que apareceram não foram selecionadas pelas contingências prevalecentes (de reforçamento ou da sobrevivência do grupo). Em todos os três níveis uma mudança repentina e possivelmente extensiva é explicada como sendo devida a variações selecionadas por contingências prevalecentes ou a novas contingências. A competição com outras espécies, pessoas ou culturas podem ou não estar envolvidas. As coações estruturais podem também ter um papel nos três níveis.
Outra questão é a definição ou identidade de uma espécie, pessoa ou cultura. As características em uma espécie e as práticas em uma cultura são transmitidas de geração a geração, mas o comportamento reforçado é “transmitido” apenas no sentido da parte remanescente do repertório do indivíduo. Onde espécies e culturas são definidas por restrições impostas sobre a transmissão – por genes e cromossomos e digamos, isolamento geográfico respectivamente – um problema de definição (ou identidade) surge no nível ii, apenas quando contingências diferentes de reforço criam repertórios diferentes, como egos ou pessoas.
ESQUEMAS EXPLICATIVOS TRADICIONAIS
Como um modo casual, a seleção por conseqüências foi descoberta muito tarde na história da ciência – na verdade menos que um século e meio atrás – e ainda não é totalmente reconhecida ou compreendida, especialmente nos níveis ii e iii. O fato pelo qual tem sido forçado dentro do padrão casual de mecanismos clássicos, e muitos dos esquemas explicativos elaborados no processo devem agora ser descartados. Alguns dos quais tem grande prestígio e são fortemente defendidos em todos os três níveis. Aqui estão quatro exemplos:
Um ato anterior à criação- (i) A seleção natural substitui um criador muito especial e ainda é desafiada porque o faz. (ii) O condicionamento operante proporciona uma descrição similarmente controversa do comportamento (“voluntário”) tradicionalmente atribuído a uma mente criativa. (iii) A evolução de um ambiente social substitui a suposta origem de uma cultura como um contrato social ou de práticas sociais como mandamentos.
Propósito ou intenção – Apenas consequências passadas figuram na seleção. (i) uma espécie particular não tem olhos de forma que seus membros possam ver melhor; os têm porque certos membros, submetidos á variação , foram capazes de ver melhor e assim mais prováveis de transmitir a variação. (ii) As consequências do comportamento operante não são o que o comportamento é agora; são meramente similares às consequências que tem moldado e mantido o comportamento. (iii) As pessoas não observam práticas particulares para que o grupo tenha probabilidade de sobreviver; eles as observam porque os grupos que induziram seus membros a agirem assim, sobreviveram e os transmitiram.
Certas essências – (i) Uma molécula que podia se auto-reproduzir e evoluir para célula, órgão e organismo estava viva tão logo veio à existência sem a ajuda de um princípio vital chamado “vida”. (ii.) O comportamento operante é moldado e trazido ao controle do ambiente sem a intervenção de um princípio da mente. (Supor que o pensamento apareceu como uma variação, como uma característica morfológica na teoria genética é invocar um grande saltum desnecessário ). (iii) Os ambientes sociais geram o auto-conhecimento (“razão”) sem a ajuda da mente de um grupo ou zeitgeist.
Dizer isso não é reduzir a vida, a mente ou zeitgeist ao físico; é simplesmente reconhecer a natureza consumível das essências. Os fatos são como eles sempre tem sido. Dizer que a seleção por consequências é um modo casual encontrado apenas nas coisas vivas é apenas dizer que aquela seleção (ou a “réplica com erro” o que o tornou possível) define “vivo”. (Um computador pode ser programado para o modelo de seleção natural, condicionamento operante, ou a evolução de uma cultura, mas apenas quando construído e programado por uma coisa viva). A base física da seleção natural está agora mais ou menos clara: a base correspondente do condicionamento operante e portanto, da evolução das culturas, tem ainda que ser descoberta.
Certas definições de bom e valor. (i) o que é bom para as espécies é aquilo que promove a sobrevivência de seus membros até que os filhos tenham nascido e possivelmente sejam cuidados. Boas características são ditas como as que têm valor de sobrevivência. Entre elas estão as susceptibilidades para o reforço por muitas das coisas que dizemos ter o gosto bom, parecer bom. E assim por diante. (ii.) O comportamento de uma pessoa é bom se é efetivo sob as contingências prevalecentes de reforço. Nós valorizamos tal comportamento e, na verdade, o reforçamos ao dizermos “bom!”. O comportamento em relação aos outros é bom se é bom para os outros neste sentido. (iii) O que é bom para uma cultura é aquilo que promove sua sobrevivência, tal como manter um grupo unido ou transmitir suas práticas. Estas não são, é claro, definições tradicionais; elas não reconhecem um mundo de valores distintos de um mundo de fatos, e por outras razões e serem observadas em breve, elas são desafiadas.
ALTERNATIVAS À SELEÇÃO
Um exemplo de tentativa de assimilar a seleção por consequência à casualidade dos mecanismos clássicos é o termo “pressão de seleção”, que aparece para converter a seleção em algo que force uma mudança. Um exemplo mais sério é a metáfora da armazenagem. As contingências da seleção estão necessariamente no passado: elas não estão agindo quando seus efeitos são observados. Para proporcionar uma causa atual, já se foi considerado que elas são armazenadas (usualmente com “informação”) e mais tarde acessadas. Assim, (i) dizem que genes e cromossomos “contêm a informação” necessária pelo óvulo fertilizado para que este cresça e se torne um organismo maduro. Mas, uma célula não consulta uma fonte de informações para aprender como se transformar; se transforma por causa das características que são produtos de uma história de variação e seleção, um produto que não é bem representado pela metáfora do armazenamento. (ii.) Dizem que as pessoas armazenam informações sobre contingências de reforço e as consultam (ou buscam) para o uso em ocasiões posteriores. Mas elas não consultam cópias de contingências anteriores para descobrir como se comportar; elas se comportam de certas maneiras porque foram mudadas por aquelas contingências. As contingências podem talvez ser inferidas de mudanças que elas tenham trabalhado, mas que não mais existem.(iii) Um uso possivelmente legítimo de “armazenamento” na evolução das culturas deve ser responsável por estes erros. Partes do ambiente social mantido e transmitido por um grupo estão literalmente armazenados em documentos, artefatos, e outros produtos daquele comportamento.
Outras forças casuais servindo in lieu da seleção tem sido buscado da estrutura das espécies, pessoas, ou cultura. A organização é um exemplo. (i) Até recentemente, a maioria dos biólogos discutiam que a organização distinguiu coisas vivas de não-vivas. (ii.) De acordo com psicólogos da Gestalt e outros, ambas as percepções e atos ocorrem em certas formas inevitáveis por causa de sua organização. (iii) Muitos antropólogos e lingüistas apelam para a organização das práticas culturais e lingüísticas. É verdade que todas as espécies, pessoas e culturas são altamente organizadas, mas nenhum princípio de organização explica o fato de o serem. Tanto a organização e os efeitos atribuídos a ela podem ser traçados nas contingências respectivas da seleção. Outro exemplo é o crescimento. O desenvolvimento é o estruturalismo com tempo ou idade adicionados como uma variável independente. (i) Houve evidência antes de Darwin que as espécies tinham se “desenvolvido” (ii.) Os psicólogos cognitivos tem discutido que os conceitos se desenvolvem na criança em certas ordens fixas, e Freud disse o mesmo para as funções psicosexuais.(iii) Alguns antropólogos tem sustentado que as culturas devem evoluir através de uma série prescrita de estágios, e Marx disse o mesmo em sua insistência pelo determinismo histórico. Mas todos os três níveis podem ser explicados pelo “desenvolvimento” de contingências da seleção. Novas contingências da seleção natural vêm dentro de uma faixa, uma vez que as espécies evoluem; novas contingências de reforço que começam a operar como comportamento se tornam mais complexas; e novas contingências de sobrevivência são trabalhadas por culturas mais efetivas.
SELEÇÃO NIGLIGENCIADA
A força casual atribuída à estrutura como um substituto da seleção causa problemas quando se diz que uma característica em um nível explica uma característica similar em outro a prioridade histórica da seleção natural usualmente dando a ela um lugar especial. A sociobiologia oferece muitos exemplos. O comportamento descrito como defesa de território pode ser devido a (i) contingências de sobrevivência na evolução de uma espécie, possivelmente envolvendo suprimento de alimentos ou prática de procriação; (ii.) as contingências de reforço para o indivíduo, possivelmente envolvendo uma parte dos reforçadores disponíveis no território; ou (iii)contingências mantidas pelas práticas culturais de um grupo promovendo o comportamento que contribua para a sobrevivência do grupo. Da mesma forma, o comportamento altruísta (i) pode evoluir através de digamos, seleção de parentes (consangüinidade); (ii.) pode ser moldado e mantido por contingências de reforço arranjadas por aqueles cujo comportamento trabalha uma vantagem; ou (iii) pode ser gerado por culturas as quais, por exemplo, induzam os indivíduos a sofrerem ou morrerem como heróis ou mártires. As contingências da seleção em três níveis são bastante diferentes, e a similaridade não atesta um princípio generativo comum.
Quando uma força comum é designada para a estrutura, a seleção tende a ser negligenciada. Muitas questões que surgem na moral ética podem ser resolvidas pela especificação do nível de seleção. O que é bom para o indivíduo ou cultura pode ter más consequências para a espécie, como quando o reforço sexual leva a super população ou o reforço de amenidades da civilização leva à exaustão de recursos: o que é bom para a espécie ou cultura pode ser ruim para o indivíduo, como quando práticas para controlar a procriação ou preservar os recursos restringem a liberdade do indivíduo; e assim por diante. Não há nada inconsistente ou contraditório sobre os usos de “bom” e “mal”, ou sobre outro julgamento de valor, uma vez que o nível da seleção seja especificado.
UM AGENTE INICIANTE
O papel da seleção por conseqüências tem particularmente sofrido resistência porque não há lugar para o agente iniciante sugerido pelos mecanismos clássicos. Tentamos identificar tal agente quando dizemos (i) que uma espécie se adapta a um ambiente, ao invés de dizer que o ambiente seleciona as características adaptativas; (ii.) que um indivíduo se ajusta a uma situação, ao invés da situação se moldar e manter o comportamento ajustado; e (iii) que um grupo de pessoas resolvem um problema surgido por certas circunstâncias, ao invés das circunstâncias selecionarem as práticas culturais que produzem uma solução.
A questão de um agente iniciante é levantada em forma mais aguda por nosso próprio lugar na história. Daewin e Spencer pensavam que a seleção levaria necessariamente à perfeição, mas as espécies ,pessoas e culturas, todas pereceram quando não puderam lidar com a rápida mudança, e a nossa espécie parece estar ameaçada. Devemos esperar que a seleção resolva os problemas de superpopulação, exaustão de recursos, poluição ambiental e holocausto nuclear, ou podemos dar passos explícitos para tornar nosso futuro mais seguro? No último caso, não devemos em algum senso transcender a seleção?
Pode-se dizer que poderíamos intervir no processo de seleção quando como geneticidas mudamos as características de uma espécie ou criamos novas espécies, ou quando como governantes, empregadores ou professores mudamos o comportamento das pessoas, ou quando planejamos novas práticas culturais; mas em nenhuma dessas formas escapamos da seleção por consequências. Em primeiro lugar, nós trabalhamos apenas através da variação e seleção. No nível i – podemos mudar genes e cromossomos ou contingências da sobrevivência, como numa procriação seletiva. No nível ii. podemos introduzir novas formas de comportamento – por exemplo, mostrando ou contando as pessoas o que fazemos a respeito das contingências seletivas. Nível iii podemos, introduzir novas práticas culturais, ou raramente encontrarmos contingências especiais de sobrevivência – por exemplo, para preservar uma prática tradicional. Tendo feito essas coisas, devemos esperar que a seleção ocorra. (Existe uma razão especial porque essas limitações são significantes. Freqüentemente se diz que a espécie humana é agora capaz de fazê-lo no sentido o qual o termo “controle” é usado nos mecanismos clássicos. Não o faz pela mesma razão que os seres vivos não são máquinas; a seleção por consequências faz a diferença.). Em segundo lugar, devemos considerar a possibilidade de que nosso comportamento na intervenção é por si só um produto de seleção. Tendemos a nos ver como agentes iniciantes apenas porque sabemos ou nos lembramos tão pouco das nossas histórias genéticas e ambientais.
Embora não possamos prognosticar muitas das contingências da seleção aos quais a espécie humana estará provavelmente exposta em todos os três níveis e que podem especificar o comportamento que irá satisfazer muitos deles, não pudemos estabelecer as práticas culturais sob as quais aquele comportamento é selecionado e mantido. É possível, que nosso esforço para preservar o papel do indivíduo como um originador esteja errado, e que um conhecimento mais amplo do papel da seleção por consequências fará uma diferença importante.
A presente cena não é encorajante. A psicologia é a disciplina de escolha no nível ii, mas poucos psicólogos prestam atenção à seleção. Os existencialistas entre eles estão explicitamente preocupados com o ‘aqui e agora’, ao invés do ‘passado e futuro’. Os estruturalistas e desenvolvimentalistas tendem a negligenciar as contingências seletivas em sua busca pelos princípios causais, tais como a organização e o crescimento. A convicção de que as contingências estão armazenadas como informações é apenas uma das razões porque o apelo às funções cognitivas não é útil. As três personas da teoria psicanalítica estão em muitos aspectos próximas aos nossos três níveis de seleção; mas o ID. não representa adequadamente a enorme contribuição da história natural das espécies; o superego, mesmo com a ajuda do ego ideal, não representa adequadamente a contribuição do ambiente social para a linguagem, auto- conhecimento e auto gerenciamento ético e intelectual; e o ego tem pouca probabilidade de repertório pessoal adquirido sob as contingências práticas da vida diária
O campo conhecido como análise experimental do comportamento tem explorado extensivamente a seleção por consequências , mas sua concepção de comportamento humano sofre resistências, e muitas de suas aplicações práticas são rejeitadas, precisamente para uma pessoa como um agente iniciante. As ciências comportamentais no nível iii mostram deficiências similares. A antropologia é altamente estrutural, e os cientistas políticos e economistas usualmente tratam o indivíduo como um agente iniciante livre. A filosofia e as letras não oferecem direções promissoras.
Um reconhecimento apropriado da ação seletiva do ambiente significa uma mudança em nossa concepção de origem do comportamento, que é possivelmente tão extenso quanto aquele da origem das espécies. Uma vez que aderimos à visão de que uma pessoa é um ator, fazedor ou causador inicial de comportamento, poderemos provavelmente continuar a negligenciar as condições que devem ser mudadas se vamos resolver nossos problemas (Skinner, 1971)
É curioso que a noção de seleção por consequências tenha aparecido tão tarde na história do pensamento humano. A seleção é encontrada apenas nas coisas vivas(seres vivos), e não há dúvida, mas as pessoas tem se interessado pelas coisas vivas, bem como por coisas não vivas. Uma explicação possível é que o efeito da seleção é algo atrasado. Vemos o produto, mas não vemos o processo; portanto tendemos a atribuir o produto a um produto atual das contingências seletiva ao invés das próprias contingências.
Um ato criativo é um tipo de substituto da seleção; o propósito é outro. Os biólogos têm lidado com seu lugar suposto na origem das espécies. Os psicólogos mostram menos concordância sobre seu lugar na origem do comportamento. Os psicólogos cognitivos, por exemplo, tendem a chamar o comportamento operante de “direcionado ao objetivo”, mas a direção ao objetivo é apenas um substituto atual de uma história de consequências reforçantes. O intencionalismo da filosofia moderna também serve como um substituto de uma história pessoal.
A razão porque a seleção por consequências tem sido a tanto tempo negligenciada deve ser a mesma razão pela qual ainda é tão mal compreendida.
*Tradução do original: Selection by consequences. Science, 1981, 213, 501-504.
Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil.
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