Quais os requisitos para que uma terapia seja considerada comportamental?
Sônia Beatriz Meyer
Revisão realizada em 1995, do texto apresentado no IV Encontro Paranaense de Psicologia em 1990.
Será que a atividade profissional exercida por aqueles que se consideram terapeutas comportamentais pode realmente ser considerada comportamental? Por que? O que caracteriza, hoje em dia, a psicologia comportamental?
Nos meus primeiros atendimentos clínicos minhas atividades eram coerentes com os trabalhos de análise comportamental aplicada, que era um modelo que tínhamos na época. Estabelecia objetivos, baseados em análises funcionais, elaborava programas de treino com critérios para considerar os comportamentos adquiridos, registrava. Só não tinha a preocupação em garantir controle experimental. No decorrer dos atendimentos cada vez menos programei e registrei. Aconteciam coisas durante as sessões que me pareciam relevantes demais para não serem trabalhadas naquele momento, e isto, evidentemente, interferia com a programação. Passei então a analisar a posteriori o que eu havia feito, isto é, relacionar minhas práticas com os princípios de comportamento e com as afirmações do behaviorismo skinneriano. Esta não era uma prática fácil, as interações que ocorriam eram complexas demais para se fazer esta análise com facilidade. Decidi naquela época deixar meu comportamento como terapeuta ser modelado pelas contingências da interação terapêutica. Como minha formação era basicamente comportamental, sabia que o que eu fazia não estava em desacordo com ela. Aos poucos fui formalizando minhas reflexões, e este texto apresenta algumas das conclusões sobre a relação da prática terapêutica com a análise comportamental.
Esta é uma tarefa necessária, pois a ausência de um entendimento teórico das práticas terapêuticas pode gerar confusão. O entendimento teórico, pelo contrário, pode contribuir para o avanço da terapia comportamental, da ciência do comportamento e para a formação de outros terapeutas comportamentais.
E o que é análise do comportamento, abordagem comportamental ou behaviorista? Não existe uma definição única, existem quatro níveis de análise, que em conjunto formam um paradigma (Hayes, 1978). O paradigma que analisarei é o chamado behaviorismo radical, termo utilizado por Skinner para se referir às suas posições (Skinner, 1974). Os quatro níveis de análise envolvidos são o tecnológico, o metodológico, o conceitual e o filosófico.
No nível tecnológico, temos um conjunto de técnicas derivadas de pesquisas realizadas. Em geral são manipulações diretas de eventos antecedentes e consequentes, por exemplo o uso de um sistema de pontos, procedimento de time out, reforçamento ou extinção sensorial ou social, programas de treino de habilidades específicas. Técnicas terapêuticas incluem dessensibilização sistemática, treino assertivo, entre outras.
Há ocasiões em que aplico alguma técnica comportamental, mas mais frequentemente utilizo-as como fonte de sugestões, aplicando-as de forma assistemática. Mas a utilização de técnicas comportamentais, desvinculadas dos outros níveis de análise, não serve de critério para a caracterização de uma terapia como comportamental. Bons terapeutas podem usar estas técnicas, e outros bons terapeutas não as utilizar ou utilizá-las sem se dar conta disto. A gama de técnicas que tenho utilizado é grande, incluindo atividades pouco convencionais dentro da abordagem comportamental, como análise de sonhos. O elemento comum a todas, é que estão baseadas numa análise funcional e estão sob controle do comportamento do cliente e não de demonstrações de sua eficácia.
No nível metodológico, o trabalho original da análise comportamental aplicada é quase totalmente orientado para pesquisa. Baseia-se principalmente em delineamentos experimentais com sujeito único, medidas repetidas, observação direta e análise de gráficos.
Será que metodologicamente a experimentação, ou pelo menos o isolamento de variáveis, é característica definidora da abordagem comportamental? Há pessoas na nossa comunidade que responderiam afirmativamente a esta questão, dizendo talvez que este é um ideal a ser atingido nos trabalhos de aplicação. É importante que clínicos e outros psicólogos façam pesquisas sobre sua atuação e/ou paralelamente à sua atuação. Afinal, a formação de conhecimento científico é um dos compromissos da abordagem, que é muitas vezes chamada de “experimental”. Entretanto, concordo com a colocação mais geral de Freitas (1985) de que a tarefa central da análise do comportamento ou da ciência do comportamento é a de especificar as variáveis independentes das quais o comportamento tenha probabilidade de ser função. É relevante também a colocação de Fulton (1982) de que a análise de contingências é parte integrante da única contribuição que a ciência do comportamento pode fazer tanto no empreendimento ligado à básica como à aplicada: um problema social significante reflete uma relação entre certos comportamentos e eventos ambientais. Uma intervenção bem sucedida implica não apenas em usar uma técnica, mas, também, em corretas decisões sobre ocasiões apropriadas para seu uso e acurada interpretação de seus efeitos. Separar as técnicas da análise que acompanhou seu desenvolvimento pode conduzir a usos diferentes dessa técnica, interpretações diferentes sobre os efeitos, e a conclusões falsas sobre o valor do enfoque comportamental (Fulton, 1982). A questão do papel da experimentação na definição da abordagem comportamental é respondida também por Todorov (1982): “Muito do progresso obtido pela análise do comportamento deve-se a análises funcionais não-experimentais. Seguramente, mais da metade dos escritos de Skinner referem-se a análises funcionais não-experimentais, isto é, à identificação (ou tentativa) de variáveis dependentes e independentes e de processos de interação em exemplos de comportamento humano.”
Seguir uma programação, registrar, pesquisar são então requisitos para que uma terapia seja comportamental? Não devemos nem afirmar que estas atividades são irrelevantes na nossa atuação diária, nem que são necessárias. Devemos estudar quando sua utilização é apropriada e quando ela não é. Se sua utilização nos tornar insensíveis às contingências atuantes na situação, será inadequada. Se, no entanto, ela nos der condições de enxergar com maior clareza que processos comportamentais estão ocorrendo, e de obter resultados mais consistentes, então poderá ser uma grande contribuição.
Portanto, o aspecto metodológico básico da análise comportamental é a análise funcional, e este aspecto é condição necessária para que um trabalho seja considerado comportamental. Psicólogos comportamentais têm apresentado uma variedade de comportamentos que podem ser englobados por este termo. Possivelmente são comportamentos modelados pelas contingências da situação de trabalho, e deveriam ser descritos para que possamos ampliar e organizar nossas práticas analíticas.
No nível conceitual, o analista do comportamento deve conhecer e aplicar os princípios básicos do comportamento. Além disto, deve tentar relacionar os seus procedimentos com estes princípios. Reforçamento, punição, extinção, controle de estímulo, generalização, esquemas de reforçamento, contraste comportamental, equivalência de estímulos, controle por regras verbais, são alguns dos conceitos da abordagem. O que tem ocorrido a nível conceitual é o contrário do ocorrido nos níveis tecnológico e metodológico, isto é, pouca ênfase tem sido dada à relação daquilo que os psicólogos fazem com os conceitos gerais da ciência do comportamento. A tentativa de entender quais os princípios básicos do comportamento é desejável e possível. É desejável pois conceitos científicos podem fornecer a estrutura necessária para se ordenar e desenvolver as nossas práticas. Por exemplo porque consideramos útil perguntar a um cliente o que ele sentiu em uma dada situação ou o que ele pensou? Como é que isto pode ser entendido comportamentalmente? Ou quando analisamos sonhos, intuições? Enfim, porque qualquer técnica bem sucedida funcionou? Que processo ou processos comportamentais podem ter ocorrido?
É possível ao psicólogo comportamental tentar entender que princípios de comportamento estão envolvidos em seu trabalho. Há, entretanto, três considerações a fazer. A primeira, é que esta análise não deve se dar durante o atendimento. Se o psicólogo estiver preocupado com esta enquanto interage com o cliente, pode deixar de estar sensível às contingências presentes naquele momento do processo terapêutico. Esta deve ser uma reflexão posterior, que, com a prática pode até ocorrer de forma concomitante. A segunda consideração é que um relato de caso para colegas ou para a comunidade científica deveria ser feito de forma descritiva, e só numa análise posterior seriam usados termos e conceitos técnicos. Isto é, em vez de se dizer que quando o cliente disse X o terapeuta reforçou sua verbalização, é mais correto dizer que quando o cliente disse X o terapeuta disse Y, o que provavelmente foi reforçador. Desta forma fica mais fácil rever possíveis erros de interpretação. A terceira consideração é quanto à possibilidade de sucesso nesta tarefa. Pode ser que não consigamos relacionar todas nossas práticas com os princípios de comportamento. Mesmo que isto aconteça, ainda assim ela é útil. Só aí poderíamos afirmar que faltam conceitos dentro da abordagem, (ou que nos faltam conhecimentos), o que levaria ou a novas pesquisas ou à busca de outros modelos conceituais.
Conforme Hayes (1978), a metodologia e as técnicas formam as paredes e teto do nosso campo, mas eles não podem permanecer firmes por longo tempo sem a firme fundação do interesse filosófico e conceitual.
No nível filosófico, um resumo das principais propostas do behaviorismo radical foi apresentado por Freitas (1985):
1- O comportamento dos organismos é ordenado, passível de ser estudado cientificamente na mesma forma das ciências naturais. A ciência do comportamento tem “status” próprio e independente da fisiologia.
2- A relação entre o comportamento dos organismos e seu meio ambiente deve ser estudada diretamente, sem a postulação de eventos mentais, conceituais ou fisiológicos de efeito mediador entre as variáveis independentes e a variável dependente.
3- Os acontecimentos do mundo privado dentro da pele são levados em consideração, como mais comportamento a ser estudado. Não se nega a possibilidade de auto-observação ou do auto-conhecimento, ou ainda sua possível utilidade. Questiona-se sua natureza e sua acessibilidade.
4- O que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo imaterial da consciência ou vida mental, mas o próprio corpo do observador. São produtos colaterais da história genética e ambiental da pessoa.
5- O que é sentido ou introspectivamente observado não é a causa do comportamento. Essas residem fora do organismo e afetam a sua probabilidade de ocorrência. O ambiente determina o comportamento pelo menos em três formas: a) através de sua ação seletiva durante a evolução da espécie; b) seu efeito na modelagem e manutenção do repertório comportamental que converte cada membro da espécie em uma pessoa; e c) seu papel como estabelecedor da ocasião na qual o comportamento ocorre (Skinner, 1974).
Concluindo, nenhum nível de análise, isoladamente, caracteriza a abordagem. Não basta aplicar procedimentos operantes para ser considerado terapeuta comportamental, e não basta acreditar, por exemplo, que sentimentos não são causas de comportamentos observáveis, ou então que o ambiente afeta o comportamento. Mas também não há necessidade de que os quatro níveis de análise estejam sempre presentes para que a terapia seja comportamental. São essenciais, no nível metodológico, a análise de contingências; no nível conceitual, o conhecimento e a aplicação, mesmo que assistemática, de princípios de comportamento; e no nível filosófico, pelo menos a rejeição ao mentalismo. Caso contrário teremos uma abordagem sem consistência e que provavelmente não sobreviverá.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Freitas, L. C. Análise Experimental do Comportamento aplicada à educação: Um estudo do caso brasileiro. 3o borrador, USP, 1985.
Fulton, B. The importance of analysis in Behavioral Technology: a response to Paine and Bellamy. Behavior Analyst, 1982, 5, 2, 209-211.
Hayes, S. C. Theory and Technology in Behavior Analysis. Behavior Analyst, 1978, 1, 25-33.
Skinner, B. F. About behaviorism. New York: Knopf, 1974.
Todorov, J. C. Behaviorismo e Análise Experimental do Comportamento. Cadernos de Análise do Comportamento, 1982, no 3, 10-23.
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