Quando a alma combate a alma
No Janeiro Branco, você já deve ter visto e lido muito dos esforços dos profissionais da saúde mental para conscientizar sobre a importância dos cuidados à saúde mental. Gostaria de, nesse mesmo propósito, trazer uma reflexão embrionária e meramente filosófica, mas uma reflexão.
É bem provável que você já conheça a proposta de que exista relação intrínseca entre corpo e alma. Numa visão monista, nem separamos corpo e alma, pois, nessa visão, tudo é organismo, ou o ser que se comporta, que se relaciona, que vive. É a psiconeuroendocrinoimunologia (PNEI) que procura entender a relação entre comportamento e cada um desses sistemas, quais sejam: sistemas nervoso, endócrino e imunológico do corpo humano.
Trata-se de uma abordagem interdisciplinar, incorporando psicologia, análise do comportamento, neurociência, imunologia, fisiologia, genética, farmacologia, biologia molecular, psiquiatria, medicina comportamental, doenças infecciosas, endocrinologia e reumatologia.
A PNEI surgiu após a constatação de que o sistema imunológico não trabalha de forma autônoma, como inicialmente foi sugerido. E, para entendermos um pouco mais essa área de estudos, vale lembrarmos das doenças autoimunes.
Quando falamos em doenças autoimunes, vemos uma condição orgânica que tem origem numa reação imunitária anormal na qual o corpo ataca uma parte normal de si mesmo. Noutras palavras, o corpo passa, por algum motivo anormal, a combater o corpo.
Me desculpe pelo textão, mas essa é só a introdução que me levou à reflexão que eu gostaria de partilhar contigo. E essa reflexão é sobre condição investigada pela psicologia, análise do comportamento e medicina psiquiátrica. Eu me refiro à condição da psicopatologia, das doenças da psique: – depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, transtorno delirante, transtorno de estresse pós traumático (TEPT), dentre tantos outros especificados nos nossos manuais diagnósticos.
É nas psicopatologias, isto é nas doenças da psiquê, que vemos algo análogo ao processo autoimune. Aqui, a alma passa a atacar alma. Não se entende precisamente o mecanismo ou se existe clara equação que explique os quadros psicopatológicos. Sabe-se que o surgimento da psicopatologia está ligada a fatores genéticos, bem como a fatores ambientais. Isto é, além da programação nas cadeias do DNA, há também a influência das experiências negativas que a pessoa teve, principalmente num momento em que ela estava ainda desenvolvendo a sua psiquê.
Mas, o fato é que na psicopatologia, a alma ataca a alma. Numa depressão, pensamentos positivos são minados por pensamentos de derrota e de auto extermínio, mesmo que a pessoa tenha tido uma história de sucesso.
No quadro de pânico, há a prevalência pensamentos desorganizados, medo intenso, sensação de morte iminente, a despeito da história de percepção de condição segura do lugar no qual a pessoa se encontra.
No TEPT, pensamentos sobre insegurança, medo, evitação, pesadelos e reações emocionais negativas se misturam mesmo estando a pessoa longe do evento que precedeu a essa condição.
Em todas as condições relatadas, parece haver algo dentro de quem passa pelo transtorno que combate todos os esforços para que ele (ou ela) se sinta bem e para que recupere o equilíbrio. É a alma atacando a alma. E, assim como na doença autoimune, trata-se um quadro que requer diagnóstico preciso, atenção e cuidados de quem estiver próximo e que deve gerar a busca de auxílio na área de saúde mental.
Por: Dr. Fábio Caló, psicólogo, mestre em análise do comportamento.
Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil.
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