Meditação em Saúde: Aspectos Conceituais e Didáticos
Há algum tempo, a meditação deixou de ser algo restrito ao cenário de algumas correntes místico-filosóficas.
Assim sendo, passou a ser estudada e considerada como um promissor instrumento coadjuvante na área de saúde.
A meditação
Quando falamos sobre meditação, antes de tudo, devemos ser precisos no que diz respeito à sua definição operacional.
Afinal, ao pretendemos tê-la catalogada entre os procedimentos de saúde, precisamos ser claros em relação ao que consiste este procedimento.
Entretanto, o número de definições que serão encontradas para este termo, mostrará a enorme carência que temos de uma definição para seu uso em saúde.
Dessa forma, apresentamos, aqui, a nossa definição operacional. De acordo com essa definição, um procedimento seria caracterizado como meditação, quando estivessem presentes os seguintes elementos:
1. uso de uma técnica específica (claramente definida),
2. relaxamento muscular em algum ponto do processo (como indicador do relaxamento psicofísico),
3. relaxamento da lógica (não se envolver em seqüências de pensamentos);
4. deve ser, necessariamente, um estado autoinduzido, e
5. utilizar um “artifício de auto-focalização” (cognominado de “âncora”).
Nessa definição, os aspectos que julgamos mais relevantes são os conceitos de “âncora” e de “relaxamento da lógica”.
Ao aprender uma técnica, o meditador procura focar toda a sua atenção na âncora.
Manter o foco na âncora o ajudará a não se envolver nas sequências de pensamentos que irão surgir.
No instante em que ele se percebe envolvido em uma sequência de pensamentos, também percebe que perdeu o foco na âncora.
Neste momento, ele “solta”, “larga”, a corrente de pensamentos e volta a focar na âncora. E, então deixa de se envolver na sequência de pensamentos.
Mais adiante, ele se verá envolvido em outra corrente de pensamentos. Consequentemente, perdeu novamente a âncora.
De novo, ele “soltará” a seqüência de pensamentos e voltará para a âncora, e assim por diante.
Esse exercício, repetido, com treino frequente, acabará levando cada vez mais facilmente ao estado modificado de consciência que decorre da técnica meditativa.
Mas, por que o termo “meditação” leva a tantas interpretações distintas e a tantas definições discordantes?
Isso, pode ser compreendido se relembrarmos alguns aspectos históricos no ensino deste método.
Embora não seja apanágio de culturas do oriente, não há dúvida de que a meditação foi disseminada. Principalmente, através de correntes místico-filosóficas orientais.
Certamente, aliás, ao ver os primeiros meditadores, praticando técnicas passivas, eles pareceram, aos olhos dos observadores do ocidente, “pensadores” que refletiam demorada e calmamente sobre algo.
Daí, provavelmente, surgiu a proposta do termo meditação, que significava, para nós (ocidentais), refletir demoradamente sobre algo.
Até hoje, quando se fala “vou meditar muito sobre isso”, geralmente isso significa “vou pensar, vou refletir demoradamente sobre o assunto”.
E, portanto, esse é o primeiro ponto a considerar. Não existe uma palavra adequada para meditação em nosso língua.
Este termo, que é usado, foi apenas o melhor que se pode encontrar para tentar suprir esta lacuna.
E, por isso, ele não auxilia na compreensão real do que significa praticar meditação.
Além disso, outra impropriedade também ocorreu, no contato com os grupos místico-filosóficos orientais.
Passou a se utilizar o termo “meditação” para uma série de procedimentos, utilizados por esses grupos, fossem eles correspondentes às atuais definições operacionais ou não.
Hoje, quando ouvimos o termo “meditação”, vemos situações que podem variar desde técnicas respiratórias até êxtases religiosos; passando por técnicas de relaxamento; de concentração; de auto-hipnose; de imaginação criativa; chegando até transes hipnóticos clássicos ou ericssonianos.
Confunde-se meditação, até mesmo, com exercícios de oração.
O estado de consciência durante a meditação
Entretanto, os estudos de mapeamento cerebral, de traçados eletroencefalográficos e de perfil neuro-endócrino mostram que é necessária a aplicação de uma técnica específica para que se obtenha o estado modificado de consciência que caracteriza aquilo que chamamos de “estado meditativo”.
O estado de consciência que decorre da meditação difere daquele decorrente do sono; da hipnose; do uso de drogas, e assim por diante.
É um estado específico, e para ser obtido requer a aplicação de um procedimento bem definido.
Todavia, em palestras, cursos e workshops, quando apresentamos a definição operacional de meditação, é freqüente a pergunta: “Mas isso que vocês descrevem é mesmo meditação? Isso não seria concentração?
Afinal, vocês falam em ter um foco, e meditação não teria foco. Meditação não seria algo além do foco, além da consciência?
Vamos desfazer esse mal-entendido, ponto por ponto.
Primeiro: nesta afirmação, mais uma vez, se confunde a técnica e o efeito. Confunde-se “técnica de meditação” com “estado meditativo”.
Aliás, sempre que nos perguntam qual a maior das confusões que existe em torno da meditação, respondemos prontamente: confundir os efeitos com a técnica.
Segundo: a concentração utiliza um foco, enquanto a meditação utiliza uma “âncora”.
Ao indicar, ao aprendiz, um determinado foco, se pressupõe que ele deverá tentar manter toda a atenção possível sobre esse foco.
Indicar, ao aprendiz, uma “âncora”, significa sugerir um foco e, ao mesmo tempo, sugerir o chamado “relaxamento da lógica”
Ou seja, orientar para que, sempre que o indivíduo se perceber em uma seqüência de pensamentos, retorne sua atenção para a “âncora”.
Assim sendo, na concentração, o objetivo é tão somente manter o foco, e todo o esforço se concentra nisso.
Na meditação, o foco, aí cognominado de “âncora”, é uma forma de não se envolver na seqüência de pensamentos, é um ponto ao qual voltamos quando nos flagramos envolvidos na corrente dos nossos pensamentos.
Portanto, um mesmo foco, pode servir como foco de concentração ou como uma “âncora” para meditação.
Dessa forma, a diferença principal estaria no fato de que, na meditação, o praticante é orientado a observar os pensamentos, flagrar seu eventual envolvimento e retornar à “âncora” sempre que isso ocorrer.
Na concentração pode se manter o foco e, ao mesmo tempo utilizar a lógica, por exemplo, focar a atenção em um som e pensar sobre os eventuais benefícios desta prática; pode-se, até mesmo utilizar a lógica para melhor se concentrar.
A meditação não pode ser algo fácil, prontamente dominável pelo praticante
Dessa forma, também se depreende outra peculiaridade da “âncora”; outro cuidado técnico que devemos ter.
Outro aspecto importante é que, quando falamos em evitar o envolvimento em sequências de pensamentos, também incluímos, aqui, as ideações positivas.
Às vezes, ao tentar manter a âncora, o aprendiz depara-se com pensamentos incômodos, tais como “está difícil me concentrar” ou “esqueci de pagar a conta de luz”.
Ele os identifica, e logo percebe que está envolvido em uma seqüência de pensamentos, do tipo: “Preciso pagar a conta” – “Que horas vou fazer isso?” – “Será que tenho saldo no banco?” – “Acho que sim” – “Ou talvez não”, e assim por diante. Diante disso, ele “solta”, “larga” essa seqüência de pensamentos e volta para a âncora.
Entretanto, são muito traiçoeiras as seqüências que envolvem ideações positivas, do tipo: “acho que estou conseguindo”.
Aliás, geralmente, o iniciante, não identifica esse tipo de corrente de pensamentos como exercício de lógica.
Contudo, isso também é um intenso exercício de lógica; e essa seqüência deve, da mesma forma, ser “solta”, ser “largada”, para que possa se voltar para a âncora.
Quais são os erros didáticos mais comuns durante a meditação?
Por fim, gostaríamos da falar sobre as principais inadequações que temos detectado, quando se ensina o iniciante a meditar.
Os erros didáticos mais comuns, de acordo com a nossa experiência. Todos eles caracterizam impropriedades.
Ou por serem indutores de exercício da lógica ou então conduzirem a estados modificados de consciência diferentes da meditação.
Primeira inadequação:
Induzir à imaginação criativa. Exemplos: “Imagine-se, agora, às margens de um lindo lago azul…”; “Sinta-se, agora, desprendendo-se do seu corpo e voando livremente para a paz…”
Segunda inadequação:
Propor técnicas avançadas ao principiante.
Terceira inadequação:
Orientar o aprendiz durante a prática. “Agora, todos os seus pensamentos se vão e, pouco a pouco, vai ficando apenas o seu verdadeiro Eu”.
Nesses casos, a probabilidade de indução a um sutil transe hipnótico é bem maior do que a chance de se estabelecer um “estado meditativo”.
Quarta inadequação:
Confundir as metáforas didáticas com a técnica, e explicar o que é meditação, ao principiante, usando frases como “Meditar é deixar passar as nuvens brancas no céu azul”; ou “Meditar é deixar passar a luz, sem resistência, através do vidro transparente”.
Quinta inadequação:
Confundir os eventuais efeitos com a técnica. “Meditar
é encontrar a paz dentro de si mesmo”; ou “Meditar é entrar em harmonia com o Todo”.
Sexta inadequação:
Não orientar o principiante. Afirmações do tipo “Simplesmente, sente e medite”; ou “Para meditar, basta ficar parado”.
Sétima inadequação:
Usar definições que reforçam a lógica. “Meditar é controlar a mente”; ou “Meditar é destruir a mente”; ou “Meditar é ter a mente sob domínio”.
Oitava inadequação:
Em um só tempo, conseguir associar a quinta, a sexta e a sétima inadequação. Isso é obtido a partir da mais clássica falha didática no ensino da meditação. A famosa frase: “Meditar é não pensar em nada”.
Com esse breve artigo, não pretendemos extinguir a chamada “mágica” da meditação. Não pretendemos negar seus aspectos abstratos. Não pretendemos soterrar o “imponderável”.
Estamos preocupados, apenas, com o adequado ensino da técnica. Afinal, o fator “imponderável” da meditação nunca poderá ser explicado. Poderá, apenas, ser percebido.
Aliás, essa percepção acontecerá, tão somente, com uma compreensão adequada do método, e com o exercício de uma técnica bem ensinada.
Só assim, em nossa opinião, será possível disseminar-se a meditação,
como um instrumento largamente utilizado em saúde.
Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil.
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